sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Reminiscências infantis


Não quero adultos nem chatos.
Quero-os metade infância e outra metade velhice!
Crianças, para que não esqueçam o valor do vento no rosto;
e velhos, para que nunca tenham pressa.

Oscar Wilde

“Os homens não têm mais tempo de conhecer coisa alguma. Compram tudo prontinho nas lojas. Mas como não existem lojas de amigos, os homens não têm mais amigos.” (O Pequeno Príncipe)

Voltar a ser criança é uma hipótese surreal, porém encantadora!
Quase tão encantadora como viver um conto de fadas. 
   
            Quando eu era criança, algumas coisas simplesmente não importavam. E isso era bom!

Se hoje eu pudesse voltar a ser criança, com o discernimento que adquiri com o tempo, aboliria o maior desejo de grande parte das crianças: o de querer ser um adulto. Quando somos crianças, parece que o tempo não passa. Queremos crescer logo, pensar, agir e viver como os adultos e não suportamos quando nossos pais dizem: “não pode! Você ainda é apenas uma criança”.
                 Se eu pudesse voltar a ser criança, até a autoridade dos meus pais sobre mim me faria muito feliz. Hoje eu sei que receber um “não” de outrem, por aí afora, certamente nos é imensamente mais dolorido.
 E... é tão lindo ser criança!
Ser criança é ver o mundo com olhos inocentes, com pureza, encanto, imaginação e criatividade. Ser criança é conversar com papéis de parede, ver figuras nas nuvens, ter momentos mágicos e amigos imaginários. Ser criança é fazer traquinagem, fazer experiências estranhas em casa, só para ver o que acontece... É desmontar um brinquedo para tentar entender como ele funciona, é ter curiosidade, ter flexibilidade, não poupar energia e dormir de exaustão depois de tanto brincar.
          Ser criança é comer pedrinhas de açúcar, gostar de algodão doce, pipoca, sopa de letrinhas. É passar a tarde assistindo a desenhos animados, com intervalos para tomar chá e comer bolinho de chuva...
     Ser criança é devorar uma sobremesa sem  pesar, recebida como prêmio por ter feito as refeições direitinho. Ser criança é ganhar um brinquedo caro e um barato e gostar muito mais do barato. É gostar de fazer bolinhas de sabão, é sentir prazer nas pequenas coisas da vida. Ser criança é acreditar que tudo é possível, é esperar presente do Papai Noel, é ficar fascinada com o encanto da árvore de natal. “Ser criança é ter coragem de não ter medo, é saber embrulhar desapontamentos e abrir caixinhas de surpresas. Ser criança é detestar relógios e compromissos. É ter pouca paciência e muita pressa. Ser criança é não saber nada e poder tudo”. [1]
 
                Ah! Se eu pudesse voltar a ser criança!

Se eu pudesse voltar a ser criança, certamente leria mais. Gostaria de ter sido apresentada ao mundo fascinante dos livros logo que fui alfabetizada. Divertia-me muito ler gibis. Eu era fã da turma da Mônica e tinha um apreço especial pela Magali - achava tão divertido ela comer tanto! - afinal, seu prazer emergia de um hábito tão coerente, concreto e particular! 

Além dos gibis, na minha infância toda, nunca ouvi falar em literatura. E como isso teria feito diferença em minha vida! Fico imaginando a imensidão de livros que poderia ter lido... Talvez me tornasse uma completa viciada por cultura, livros e línguas, como o escritor Canetti.  Sempre quis saber o gostinho de ter lido Machado de Assis aos treze anos. O que significaria pra mim relê-lo depois, na faculdade?  
            Se eu pudesse voltar a ser criança, acho que faria muita coisa diferente. Não deixaria de acreditar em um sonho para fazer parte das estatísticas dos que não se realizaram por falta de oportunidade. Usaria toda minha energia e força para correr, de maneira ávida, atrás de todos os meus sonhos e de todas as oportunidades que eu simplesmente deixei passar, em virtude de uma racionalidade e sensatez que me tornaram "gente grande" rápido demais.

Sabe, quando eu era pequena, não conseguia entender direito, porque algumas coisas tão importantes para mim, não era também para os outros. A idéia de “você não deve tomar seu tempo com isso” me parecia muito mais pertinente que hoje, depois de descobrir que tudo é tão relativo.

“Só as crianças sabem o que procuram." “Perdem tempo com uma boneca de pano, e a boneca se torna muito importante...” “- Elas são felizes...” (O Pequeno Príncipe)

Infelizmente, para algumas realizações pessoais, há um prazo... definido pela própria vida. Quando se é adulto, as responsabilidades não podem ser negadas e aí é que nos damos conta de que o tempo de brincar passou; de que o nosso “errar” não é mais inconseqüente; de que depois de adultos pagamos muito caro por cada uma de nossas escolhas.
               Acabei de reler um livro maravilhoso: O Pequeno Príncipe... Antoine de Saint-Exupéry coloca justamente em evidência as disparidades e as peculiaridades entre o mundo infantil e adulto, através de uma sensibilidade capaz de nos fazer refletir muito sobre nossos valores em relação à vida. Mais uma vez me emocionei. Nós, adultos, nos preocupamos muito com coisas que supomos sérias e deixamos o mais simples e belo da vida passar.

           Eis aí um mistério bem grande. Para vocês, que amam também o principezinho, como para mim, todo o universo muda de sentido, se num lugar, que não sabemos onde, um carneiro, que não conhecemos, comeu ou não a rosa...E nenhuma pessoa grande jamais compreenderá que isso tenha tanta importância!” (O Pequeno Príncipe)

              “As pessoas grandes adoram números”. Desde criança, eu nunca fui ligada a eles. Talvez por isso eu tenha escolhido cursar Letras na faculdade. Analogias e contraposições à parte, uma voz me dizia que essa faculdade nunca me traria muito dinheiro, mas eu nunca liguei de verdade pra isso. Eu não posso dizer que sou bem-sucedida profissionalmente, mas se existe algo do qual eu não me arrependo, é de ter feito essa escolha. Talvez tenha sido minha maior realização diretamente relacionada a um modo infantil de “acreditar”, de optar pelo que faz bem e dá prazer, sem pensar muito nas conseqüências. 
Quando eu era criança, gostava de conversar com plantas. Tinha alguns vasinhos de flores vermelhas e cor-de-rosas, os quais cuidava com muito carinho. Mas, sempre que conversava com elas, conversava um pouquinho tmbém com cada plantinha que minha mãe tinha, incluíndo os xaxins, samambaias, comigo-ninguém-pode, Espadas de São Jorge e até mesmo com os pézinhos de pimenta. Tinha medo que elas ficassem com ciúmes das minhas adoradas rosinhas. Naquela época, eu conseguia perceber o quanto elas ficavam mais bonitas e viçosas quando recebiam atenção, quando eu me sentava com elas para lhes contar historinhas.
É quando descobrimos nosso tamanho em relação ao mundo, que paramos de dar “atenção ao que é efêmero”, sem considerar que também somos tão efêmeros quanto. Nos tornamos pessoas menos felizes. Muitas vezes não conseguimos notar a importância de algo que é passageiro ou não somos capazes de valorizar instantes, não considerando a hipótese de que eles possam se tornar eternos dentro de nós.
Dá-me tanta tristeza narrar essas lembranças! Faz já seis anos que meu amigo se foi com seu carneiro. Se tentar descrevê-lo aqui, é justamente porque não o quero esquecer. É triste esquecer um amigo. Nem todo o mundo tem amigo. E eu corro o risco de ficar como as pessoas grandes, que só se interessam por números. Foi por causa disso que comprei uma caixa de tintas e alguns lápis também. É duro pôr-se a desenhar na minha idade, quando nunca se fez outra tentativa além das jibóias fechadas e abertas dos longínquos seis anos! Experimentarei, é claro, fazer os retratos mais parecidos que puder. Mas não tenho muita esperança de conseguir. Um desenho parece passável; outro, já é inteiramente diverso. Engano-me também no tamanho. Ora o principezinho está muito grande, ora pequeno demais. Hesito também quanto à cor do seu traje. Vou arriscando então, aqui e ali. Enganar-me-ei provavelmente em detalhes dos mais importantes. Mas é preciso desculpar. Meu amigo nunca dava explicações. Julgava-me talvez semelhante a ele. Mas, infelizmente, não sei ver carneiro através de caixa. Sou um pouco como as pessoas grandes. Acho que envelheci. (O Pequeno Príncipe)
“‘Hoje’ , infelizmente, ‘eu também’ não sei ver carneiro através de caixa. Sou ‘exatamente’ como as pessoas grandes. Envelheci.” E, como gostaria de voltar a ser criança!



1] Maria Alice Estrella